quinta-feira, 20 de maio de 2010

Curso de Comunicação Sindical vai acontecer no SINDPREV

A ASMIP, ASMPF, ASSTTRA e o Sinasempu Seção DF  realizam neste final de semana, 22 e 23 de maio, no auditório do SINDPREV, o curso "Comunicação Sindical e Disputa de Hegemonia" com o escritor Vito Giannoti, do Núcleo Piratininga de Comunicação-NPC. O curso conta com o apoio fundamental do Sindprev-DF e do Sindsep-DF.

O curso, destinado a dirigentes sindicais e jornalistas que trabalham com movimentos sociais, possui em sua programação a abordagem de diferentes assuntos, tais quais o papel da comunicação na disputa de hegemonia na sociedade; linguagem; formas de apresentação atrativa dos materiais (jornais, revistas, vídeos, etc); o papel da comunicação do Sindicato e Associação na organização da categoria, entre outros.

Vito Giannoti é italiano e chegou ao Brasil em 1964. Trabalhou como metalúrgico e ajudou a fundar a Central Única dos Trabalhadores-CUT em 1983. Já escreveu mais de 20 livros e, juntamente com jornalistas e professores, fundou o NPC .

O Núcleo Piratininga de Comunicação, instituído em 1997 é uma organização sem fins lucrativos com sede no Rio de Janeiro e atuação nacional. Ele é constituído por um grupo  jornalistas, comunicadores, professores universitários, ilustradores, fotógrafos e artistas gráficos que atuam com o objetivo de melhorar a comunicação em movimentos populares, em sindicatos, associações e outros coletivos.

O Sindprev fica no Setor Bancário Norte, Quadra 2, Ed. Engenheiro Paulo Maurício, 15º andar.

domingo, 16 de maio de 2010

O papel da comunicação sindical, hoje

por paula  25/03/2008

Fonte: Jornal Brasil de Fato

Entrevista com Vito Giannotti

1 - Qual é a sua definição para Jornalismo Sindical?

O Jornalismo Sindical tem uma definição que vem de suas características próprias.

A primeira característica é que ele deixa claros quais são seus objetivos. Ou seja, deixa claro que tem lado, que defende uma classe e dentro dela dá especial atenção a um setor, ou seja, cada jornal se dedica prioritariamente a uma categoria específica. Não tem nenhuma postura de falsa neutralidade, de eqüidistância. Mas, é bom ter claro que isto exige muita seriedade, apresentar fatos, dados concretos e não fazer sermões, não contar lorotas ou inventar dados e fatos fantasiosos.

A segunda característica é que o jornal sindical não é vendido em bancas. Ou seja, ele chega, de graça, ao leitor que não está esperando aquele jornal, aquela notícia. O leitor não está louco para ler o jornal do sindicato. Quem está ansioso para que este jornal seja lido é a direção e os jornalistas do sindicato. Deste fato deriva como conseqüência imediata que o jornal sindical deve ser muito atrativo, bonito, chamativo. Deve chamar por sua pauta, por sua cara, por sua linguagem. Sem isso ele irá direto para lixo.

A terceira característica de um jornal sindical é que ele vai nas mãos de trabalhadores que, em sua imensa maioria, não lêem jornal diariamente. A não ser nos sindicatos de profissionais liberais ou de funcionários públicos de alto escalão, o trabalhador, em geral lê muito pouco.

Num estaleiro, numa Nestlé ou numa CSN, o índice de leitura de jornais não chega á média nacional de uns 5%. Entre professores do ensino fundamental e médio, pela experiência do nosso Núcleo de formadores em comunicação sindical, em todos os Estados do país, não passa dos 13 ou 14%. Por isso podemos dizer que o jornalismo sindical é um jornalismo que declara seu lado e tem um público muito especial. Além disso, exige uma arte e uma técnica especial.

2 - Como você julga o poder de alcance da imprensa sindical?

Enorme. O maior jornal da “grande imprensa” do Sergipe, hoje, outubro de 2005, não chega a 3000 exemplares. O jornal Tribuna Metalúrgica, dos Metalúrgicos de São Bernardo, durante mais de 15 anos teve uma tiragem diária de 120 mil. Hoje deve estar com 60 mil, devido à diminuição de trabalhadores na base.

No final da década de 1980, nos sindicatos de luta, havia seis jornais sindicais diários com uma tiragem semanal de 600 mil. Isto representa um poder de fogo tremendo. Há sindicatos que têm belíssimas revistas e produzem cartilhas e folhetos de todo tipo. Há até quem tenha um jornal mensal para as famílias dos trabalhadores, como o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos.

Os anos 80/90 foram os anos da melhor fase da imprensa sindical. A fase do ascenso das lutas, quando o Brasil foi o campeão de greves no mundo: de 1978 a 1990. Depois a imprensa sindical refletiu o refluxo do movimento. Os jornais diários escassearam. Basta pensar no Sindiluta, dos Químicos de São Paulo, que era diário, chegou até a fazer a festa do numero 1000. Hoje, se não me engano, é quinzenal. E assim, deixaram de ser diários a Folha Bancária dos Bancários de São Paulo, o Diário Bancário dos bancários de Brasília, o BancáRIO do Rio de Janeiro. Seguram-se ainda o dos Metalúrgicos de São Bernardo e o dos Bancários da Bahia.

Durante este período a imprensa sindical teve um papel de imprensa contra-hegemônica na luta contra o neoliberalismo, num momento em que quase desapareceu toda a imprensa sindical.

Quem foi que fez a campanha contra as privatizações na época de ouro do neoliberalismo de FHC? Como foi feita a batalha contra a Reforma da Previdência, sem ser pelos jornais sindicais? Não entro no mérito, aqui, se ganhamos ou não. Mas a imprensa sindical cumpriu o papel da imprensa partidária que não existiu. Qual jornal de esquerda cumpriu este papel?

Na década de 90, houve belas publicações alternativas valiosíssimas, mas com uma tiragem muito restrita, como é o caso da Reportagem, a Caros Amigos, ou o Jornal dos Sem Terra. Todas com uma tiragem pequeníssima, insignificante, num país com, na época 185 milhões de pessoas. E sua periodicidade não permitia de fazer uma verdadeira disputa contra um inimigo que se comunicava todo dia, pelo rádio, pela televisão e por seus inúmeros jornais.

3 - Em que período surgiu e como se deu o desenvolvimento do Jornalismo

Sindical no Brasil?

O Jornalismo dos trabalhadores nasceu com o começo da industrialização, no final do século XIX. Os primeiros imigrantes tiveram a influência do anarquismo que era muito vivo, naquela época, na Itália e Espanha e Portugal. Estes, desde o nascimento das primeiras fábricas, sempre deram muita importância à formação político-ideológica. Por isso, num tempo em que o único instrumento de comunicação era o jornal, foram feitas centenas de jornais operários no nosso país. A historiadora e fanática da comunicação dos trabalhadores, Adelaide Gonçalves, da UFCE, nos fala de mais de 500 jornais operários entre 1875 e 1930. Esta foi a fase do jornalismo operário de cunho anarco-sindicalista.

Em seguida veio a imprensa hegemonizada pela nova tendência política nascida com a revolução Bolchevique: o comunismo. Os comunistas deram muita importância à comunicação. E comunicação, ainda era o jornal. Deram mais importância à imprensa partidária, mas esta era muito usada nos bairros e fábricas das grandes cidades. Só para ter uma idéia, em 1946 o PCB possuía 8 jornais diários espalhados pelo país.

O jornalista e escritor Bernardo Kucinski diz que a Imprensa Alternativa dos anos da Ditadura militar foi a continuadora da imprensa operária e comunista. Finalmente, com o fim da Ditadura floresce uma nova imprensa sindical, nos sindicatos que tinham se libertados dos interventores e pelegos da tradição varguista.

De 1980 a 2002 vivemos a fase de ouro da imprensa sindical no Brasil, que alcançou uma tiragem recorde, em 1992, de 30 milhões por mês de publicações regulares. Nos sindicatos da CUT, que eram os únicos que investiam sistematicamente em comunicação, chegou-se a seis jornais sindicais diários.

4 - Quem são os destinatários do Jornalismo sindical?

Os destinatários do Jornalismo Sindical são trabalhadores que em sua maioria tem uma baixa escolaridade. Os dados do MEC são trágicos. Nosso país tem uma média de escolaridade de pouco mais de seis anos. Ou seja, a maioria dos destinatários da imprensa sindical tem 4 ou 5 ou 6 anos de escola. Dados do MEC, de 2002, diziam que no Brasil somente 19% da população tinha terminado o segundo grau. Ou seja, 81% não tinham chegado nem a este patamar.

Este fato determina grandemente toda a realidade da imprensa sindical. Deve determinar o tamanho dos artigos, o formato do jornal, suas características de apresentação e, sobretudo a sua linguagem. Ou seja, fazer jornal para quem quer ler, é uma coisa. Fazer jornal para os engenheiros do Rio de Janeiro é totalmente diferente de fazê-lo para os trabalhadores civis nas Forças Armadas. Fazer jornal para os professores da UFF é totalmente diferente de fazê-lo para quem não compra o jornal nunca e é a clássica vítima da rede Globo ou das suas concorrentes, que são do mesmo naipe, embora inferiores em qualidade técnica e alcance. Uma coisa é fazer um jornal para um jovem conectado à Internet, durante 24 horas por dia. Outra é fazê-lo para um trabalhador que nunca ligou um computador.

5 - Quais as maiores mudanças que você observa que ocorreram no jornalismo sindical?

Politicamente foi a transformação da década de 90. O triunfo do neoliberalismo e novas práticas sindicais.

Do ponto de vista técnico foi a introdução da editoração eletrônica que permitiu de fazer jornais muito mais bonitos e mais rapidamente.

Além da editoração eletrônica foi importantíssima a introdução da Internet. Mas isto não foi automático. A Internet permitiu que se fizessem boletins eletrônicos, como é o caso da CUT/RJ que foi a primeira entidade sindical a ter um boletim diário, o Rápido, que foi o exemplo para vários outros e que durou até o fechamento daquele departamento de comunicação, em final de maio de 2007. Mas, ainda hoje, há outros sindicato que mantêm o computador na sala do tesoureiro, que fica com as chaves no bolso.

Mas, sempre houve grandes mudanças na comunicação dos trabalhadores. Há cem anos, quando começou a industrialização no Brasil, o único instrumento de comunicação, além da voz e do contato pessoal, era a imprensa. Daí o grande número de jornais operários que apareceram naquela época.

Depois de 1922, com a criação do Partido Comunista nasceram muitos novos jornais e revistas a serviço da luta e da organização da classe, dentro da nova visão política dos comunistas. O fato mais significativo desta época de ouro da imprensa comunista é representado pelos 8 jornais do Partido que, em 1946, chegaram a existir. Em todas as grandes capitais do país existia um jornal do partido.

Durante os anos de 30 a 60, nos quais foram introduzidos o rádio e depois a televisão, a burguesia sempre cuidou de não permitir que a esquerda possuísse e usasse estes poderosíssimos instrumentos de comunicação de massa.

Até hoje, a imprensa é o grande instrumento de comunicação dos sindicatos. Mas, será que deve continuar sendo assim? No século XXI, há novas técnicas, novas tecnologias e novos veículos de comunicação que precisam ser conquistados pelos trabalhadores e seus sindicatos.

Nos últimos 25 anos, saímos de uma ditadura militar, fizemos milhares de greves, construímos centrais sindicais e partidos de esquerda. Organizamos fortes movimentos sociais, elegemos vereadores, deputados, senadores, governadores e até presidente da República. Mas, não conseguimos construir uma comunicação alternativa capaz de atingir milhões de trabalhadores. Não criamos nosso sistema de mídia. Nosso, dos trabalhadores, da esquerda como um todo.

Uns se limitam a xingar a santíssima trindade da direita, o verdadeiro partido da burguesia representado pela Globo, Folha e Veja. Outros se limitaram a mendigar a simpatia e um espaçozinho desses senhores da mídia nacional, se iludindo que esses inimigos de classe poderiam ficar mansos se nós, também, nos mostrássemos mansos.

Assim, quando o tacape neoliberal se abateu sobre a cabeça dos trabalhadores, retirando empregos e direitos, nos pegou desprevenidos, e não conseguimos enfrentar a forte propaganda ideológica que foi feita. Vide o tratamento dispensado às estatais e aos servidores públicos transformados em responsáveis por todas as mazelas do País.

E não parou mais. Para além dos votos na eleição presidencial, a ideologia dominante mantém sua hegemonia que lhe permite vencer um plebiscito sobre o desarmamento, como um eventual sobre a pena de morte. A visão hegemônica continua associando pobre a bandido e assim se justifica qualquer chacina contra os moradores das periferias.

Justifica-se até o caveirão, blindado da repressão policial carioca para matar pobres e negros e garantir a continuidade do tráfico. Esta mesma visão hegemônica que, sobretudo, aceita como natural, sem sinais de indignação concreta, a estrutura profundamente injusta desta sociedade com a pior distribuição de riqueza do mundo. A consagração desta visão hegemônica veio com o sucesso, na segunda metade de 2007, do filme Tropa de elite.

6 – Como você vê a disputa de hegemonia nas eleições presidenciais de 2006?

No final do ano de 2006, muitos começaram a refletir sobre a grande lição da última eleição presidencial. Sobre a queda das ilusões, para muitos, com a neutralidade e imparcialidade da mídia. Qualquer criança entendeu que Folha, Estadão, Zero Hora, Veja, Isto é O Globo e A Globo têm lado. O lado da classe deles.

Todos estes veículos de mídia defendem os transgênicos, a Monsanto, o latifúndio, o modelo econômico exportador e um salário mínimo que continue mínimo. Todos sempre são contra qualquer greve, apóiam a repressão a camelôs e facilmente se esqueceram do escândalo da loja Daslu, onde uma calça jeans da Dolce e Gabbana custa R$ 5.250,00. Todos apóiam o roubo das terras dos índios, todos se descabelam com o caos nas filas dos aeroportos muito mais que com o caos nos hospitais do Rio de Janeiro onde se tropeça, nos corredores, em cadáveres e pessoas ainda vivas. Mas, todos se disfarçam de neutros. Fazem de conta que não tem lado. A única publicação da chamada grande imprensa que declarou ter lado, foi a Carta Capital.

A lição de 2006 foi muito rica. Muitos a aprenderam. Viram que as classes continuam existindo e a luta de classe continua existindo mais cruel do que nunca. Ela mostra sua cara, seja apoiando o caveirão para manter o controle sobre a classe trabalhadora nas favelas do Rio de Janeiro, seja apoiando o exército invasor de Bush no Iraque.

7 - Qual o papel da mídia sindical nesse quadro?

Logo lembramos da lição de Lênin, em 1901, no longo artigo intitulado “Por onde começar”. Sua lição estava e está clara: “O ponto de partida para a ação, o primeiro ponto para a criação da organização que desejamos (...) deve ser a criação de um jornal para toda a Rússia. Sem ele não será possível realizar o trabalho de propaganda e agitação (...)”. Essa é a lição do líder da primeira revolução proletária do século XX. Mas, esta não é só uma lição comunista. Já no Japão, na década de 1870, quando aquele país começava sua industrialização, a burguesia criou vários jornais. No editorial do Nº 1 de um desses jornais criado em 1875, o Johji Shimbum, há uma frase extremamente esclarecedora da importância que aquela burguesia dava à difusão de suas idéias: “Um partido sem jornal é como um exército sem armas”.

Deixando os exemplos internacionais podemos aprender com nossa história. No Brasil, em 1919, os anarquistas chegaram a criar dois jornais diários: A Plebe, no Rio de Janeiro e A Hora Social, no Recife. Já falamos dos 8 jornais diários do Partido Comunista, em 46. Lembremos a seqüência desta linha do tempo com os 150 jornais da imprensa alternativa dos anos da ditadura. Com o fim desta, a safra destes jornais alternativos parou.

Quem cumpriu o papel de imprensa alternativa de 1980 a 2002 foi a imprensa sindical. A disputa contra-hegemônica, quando foi feita, aconteceu graças á imprensa sindical. E não foi só através dos veículos escritos. Muitos sindicatos começaram experiências bem sucedidas com programas de rádio, de televisão e, ultimamente, através de páginas na Internet e boletins eletrônicos.

Na batalha da informação a imprensa sindical teve um papel determinante. Foi nas suas páginas, sobretudo, que se combateu o projeto neoliberal implantado desde o governo Collor.

8 - O jornalismo sindical é ideológico. De que maneira, nele convivem ideologia e objetividade?

O jornalismo empresarial é profundamente ideológico. Para mim, o jornalismo da Veja, ou da Folha de S. Paulo, ou do Globo, são totalmente ideológicos. Ou seja, têm lado. O lado da classe dominante hoje no Brasil. Não há nada de mais ideologizado e, conseqüentemente editorializado, do que a Veja. Basta ver como noticiou o 6º Fórum Social Mundial acontecido em Caracas em fim de janeiro de 2006. No número saído imediatamente após o termino do evento que reuniu umas duzentos mil pessoas na capital da Venezuela, a Veja, simplesmente não deu uma notícia. Só colocou um artigo, como um editorial, para atacar o seu maior inimigo do momento, o Hugo Chavez. Um artigo de ideologia purinha, destilada, com todo o ódio que a revista nutre pela esquerda.

Esta revista é um panfleto da direita conservadora do país. Defende sua visão de mundo, escondendo fatos, esquecendo pura e simplesmente, criminalizando os movimentos sociais ao gosto de sua ideologia. Com essas artimanhas os fatos ficam totalmente distorcidos. E ai? A imprensa sindical vai repetir o que a mídia da direita faz?

Por princípio a imprensa sindical tem um lado: o lado dos assalariados, dos desempregados, dos excluídos, do povo que não irá nunca à Daslu ou a Miami. Esse é o lado da esquerda. Mas, nem por isso pode repetir o comportamento da direita. O jornalismo sindical deve dizer claramente qual é o seu lado, mas fazer isso com fatos, dados, entrevistas. Sem isso cairá no discurso vazio, no panfleto, igual aos panfletos que a direita escreve, disfarçados de jornais e revistas luxuosas, vendidas em bancas e enviadas para casa dos assinantes.

9- Qual foi o impacto das transformações no mundo do trabalho no jornalismo sindical?

Foi enorme. A passagem do antigo fordismo, de muitas fábricas, á situação de hoje onde, nas grandes empresas reina o sistema japonês, o chamado toyotismo, mudou completamente a realidade do mundo do trabalho. Uma coisa eram os bancos, em 1985, com mais de um milhão de bancários. Outra são os bancos automatizados de hoje, onde, no Brasil inteiro, não chegam a trabalhar 380 mil bancários. O mesmo pode-se dizer de uma Volkwagem que chegou a ter 48 mil trabalhadores, em 1980, e hoje não chega nem à metade. Muitos dos ex-metalúrgicos da Voks simplesmente caíram no trabalho informal, outros caíram na terceirização com perda de antigos direitos. Sua relação com os sindicatos mudou. E com isso a imprensa sindical também mudou. Estas mudanças exigem dos sindicatos uma compreensão do que é transitório e do que é permanente. E o que é permanente é a exploração do trabalho. É a divisão entre os que vivem da venda da sua força produtiva e os que vivem do trabalho alheio. Os que vivem do trabalho e os que vivem da exploração deste trabalho. O desafio da imprensa sindical é mostrar a realidade da exploração e a conseqüente necessidade de luta e reação, nas novas situações de hoje.

10 - Em que estágio se encontra o Jornalismo Sindical brasileiro?

O jornalismo sindical brasileiro, se comparado a de outros paises vai muito bem. Não só pelo volume, mas pela diversificação de veículos, e pela amplidão de sua pauta. Claro, que não é geral esta situação. Há sindicatos que fazem jornais unicamente voltados para seu umbigo. Jornais corporativos que não servem quase para nada. Mas há muito outro que fazem um jornalismo sindical como um substituto de um jornalismo alternativo. Na década de 90 o país viveu a anestesia do encantamento neoliberal. Milhares de jornalistas da imprensa empresarial passaram de mala e cuia para o lado do neoliberalismo triunfante. Vivemos a época do pensamento único, do Consenso de Washington. Era o coro de consenso em cima das privatizações, da redução do Estado e da flexibilização dos direitos dos trabalhadores.

Quem cumpriu o papel de imprensa alternativa nesta década, foi a imprensa sindical. Nesta época quem denunciou o projeto neoliberal de FHC, Malan e Cia foi a imprensa sindical com seus milhões de jornais regulares (diários, bissemanais, semanais,quinzenais ou mensais). Quem denunciou a destruição dos serviços públicos na Saúde, na Educação e em todos os serviços públicos, foi a imprensa sindical. Basta ver que há sindicatos que chegam a gastar mais de 30% do seu orçamento com a comunicação. No resto da América Latina a comunicação sindical está longe de alcançar o peso que esta tem em nosso país.

11- Como você avalia a luta de sindicatos pela democratização dos meios de comunicação?

Fraquíssima. Não estamos fazendo esta luta seriamente. Os sindicatos, na sua imensa maioria, não tem compreensão da importância desta luta. Quem disse que as atuais concessões de rádio e televisão são eternas? Quem disse que são públicas? Quem disse que são intocáveis?

E quem disse que o MST não pode ter um canal de televisão aberto. Nada de a cabo, fechado. Quem disse que a as centrais sindicais não podem ter seu canal? E A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS)? E o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) por que não tem seu canal de TV e sua rádio de alcance em todo o Norte e Nordeste? E por que a Comissão Pastoral da Terra não pode ter seu canal? E tudo isto financiado e facilitado abertamente com recursos públicos, como a senhora Rede Globo é e sempre foi.

Porque não se exige do governo uma Medida Provisória neste sentido. A lei se muda. As leis só mudam com muita pressão. E o movimento sindical não está fazendo pressão para mudar a lei profundamente antidemocrática das concessões de rádio e TV no nosso País. E pressão não é discurso de deputado e nem um projeto de lei, é gente na rua, dias e noites. É trabalhador em greve. Depois virão os discursos na Câmara e os projetos-lei. Aí vêm até as Medidas Provisórias.

Ao lado do esforço para construir nossa imprensa é necessário fazer um grande movimento de massas para impor a democratização na distribuição dos canais de rádio e TV. Democratizar as chamadas ironicamente, de “concessões públicas”, que de público não tem nada. Elas são propriedades absolutamente particulares. Privadíssimas.

O ano de 2007 foi o ano da renovação destas concessões. A situação não mudou. Não se mexeu nas vacas sagradas das concessões de rádio e televisão. Quem disse que a Globo deve ser intocável? Quem disse que a Record ou o SBT são intocáveis?

Mas, mudanças profundas nos grandes “aparelhos ideológicos” da burguesia, só poderão vir com milhões de pessoas nas ruas. Sem isso, o velho sistema das sesmarias dadas de graça, pelo rei de Portugal a seus donatários continuará na sua versão moderna das “concessões de rádios e TVs”.

12 – Qual o papel da imprensa sindical na crise sindical presente.

Hoje, com o governo Lula, os sindicatos estão frente ao clássico dilema do que fazer com um governo que eles ajudaram, e muito, a eleger e uma situação mundial que empurra este governo, saído dos sindicatos, a aplicar as regras do jogo do Consenso de Washington, isto é do FMI.

Como agir seja qual for a linha adotada frente a este governo? Há uma série de atitudes a serem tomadas para convencer milhares e milhões destas escolhas e aplicar sua política.

Por isso podemos enumerar alguns pontos básicos de atuação dos sindicatos, no domínio da comunicação:

1 – Politizar a pauta dos nossos jornais, boletins eletrônicos ou programas de rádio ou TV. Um jornal voltado para seu próprio umbigo não serve para quase nada. Não faz disputa de hegemonia nenhuma.

2 – Voltar a aumentar o volume, isto é a freqüência dos nossos jornais e programas. Qual a razão de um jornal sindical deixar de ser diário e passar a ser semanal, ou até quinzenal? Certamente não é por problemas econômicos.

3 – Não ficar presos somente ao velho Gutemberg. Usar e abusar da Internet: páginas e boletins eletrônicos.

4 – Lutar para democratizar as concessões de rádio e TV

5 – E vamos abrir os olhos para avançar no uso do rádio, sob todas as formas: da rádio comunitária às rádios comerciais. Hoje, quem melhor faz isso é o MST, que atinge mais de mil rádios diariamente.

É preciso que toda a esquerda e os sindicatos de esquerda dentro disso, avancem rapidamente, porque o inimigo, vimos a lição, é forte e sabe usar todas as armas. A luta de classe continua e ela se vence com força organizada e com o convencimento.

Isto é, com força e com uma comunicação que comunique e convença. É isso que nos ensina Gramsci quando nos diz que a hegemonia é o resultado da “coerção e do convencimento”.

É lugar comum dizer que os sindicatos, nestes anos, estão em crise. Com certeza. Mas, para qualquer hipótese, os sindicatos precisam renovar sua comunicação. Estudar, aperfeiçoar, politizar e aumentar enormemente seu poderio.

Núcleo Piratininga de Comunicação

sábado, 15 de maio de 2010

Comunicação Sindical e a disputa pela hegemonia

Por Vito Gianotti, do Núcleo Piratininga de Comunicação, maio de 2004

A imagem despertada pela palavra comunicação sindical é aquela do jornalzinho do sindicato ou de um boletim de greve. Logo em seguida passamos a imaginar os típicos, temas destes clássicos representantes da comunicação dos sindicatos com os trabalhadores: aumento de salário, condições de trabalho, horário, turnos, férias, acidentes e por aí vai. Essa imagem está associada a uma determinada visão de sindicato. Um sindicato que está aí para resolver os problemas concretos dos trabalhadores. Os problemas imediatos, do dia a dia.

A comunicação no sindicalismo Varguista

No Brasil temos uma tradição própria de sindicalismo oficial, o sindicalismo ministerialista, como era chamado logo que Getúlio Vargas o criou, na década de 30. O típico sindicalismo pelego. Sindicalismo de colaboração de classes que deveria varrer a herança de trinta anos de sindicalismo anarquista baseado no princípio do confronto de classe contra classe.

O novo sindicalismo, que Vargas queria, deveria se afastar da luta política, do confronto de classe. Ao contrário deveria zelar pela paz social. Este sindicalismo deixaria de ser livre, dependendo unicamente da vontade e decisões dos trabalhadores e passaria a ser controlado pelo governo e pela burguesia que ele representava. Neste sindicato não haveria espaço para a defesa dos interesses mais globais. da classe trabalhadora. Haveria, quando muito, um papel de fiscalizador do cumprimento das leis, num ritual frio de recorrer à Justiça do Trabalho e de periódicas renovações de acordos coletivos.

Neste quadro, qual será o espaço da imprensa, da comunicação destes sindicatos com os trabalhadores? Não há espaço. Ou melhor, não há necessidade. Basta um boletim a cada seis meses, ou a cada ano. As únicas coisas a comunicar são: o andamento da colônia de férias, os novos serviços médicos que o sindicato oferece e o índice de reajuste que o governo se digna conceder na época certa. Mas tem mais assuntos que estes sindicatos varguistas podem tratar como, por exemplo, a coroação da rainha da categoria ou a premiação da mãe do ano. E podem chegar até a falar de algum cursinho de leis trabalhistas ou da visita do ministro do Trabalho à sede do sindicato.

Esse é o modelo dos sindicatos pelegos que brotou desde a década de 30.
Hoje, dos cerca de vinte mil sindicatos existentes no país, a imensa maioria ainda está neste estágio. Ou não tem nenhum tipo de boletim para os trabalhadores ou possuem um informativo qualquer que bem poderia ser produzido na década de 30 ou 40. É o vazio absoluto. Nele há governo, não há sistema, não há classe patronal. Quanto menos há realidades como o neoliberalismo ou sem produto-rei: o desemprego.

Evidentemente, neste tipo de sindicalismo não há disputa de nada, quanto menos de hegemonia com a classe dominante.

Sete centrais sindicais: qual comunicação?

Existem hoje, no Brasil, sete centrais sindicais. Destas, só a CUT é de oposição ao governo e a classe patronal que ele representa. Por sua definição a favor de uma sociedade socialista, a CUT se coloca conseqüentemente em contraposição ao projeto neoliberal deste governo e dos interesses que ele representa, sejam eles dos banqueiros, industriais, fazendeiros, atacadistas, nacionais ou estrangeiros.

Neste quadro deixaremos de analisar as seis centrais que não estão preocupadas em fazer uma disputa de classes, como é o caso típico da segunda central brasileira: a Força Sindical. Esta foi pensada, gestada, amamentada e criada totalmente pelos patrões e pelo governo.
É a legítima Central deles, uma real força patronal; muito eficiente e conseqüente no seu papel de ser o instrumento da burguesia no meio sindical. Sua imprensa, sua comunicação, naturalmente, cumprirá este papel. Nela não há oposição e sim louvação às medidas que o governo neoliberal de FHC vem tomando. É a defesa, desde a época do Collor, do que ela chama de "reformas modernizadoras". Defesa da redução do chamado "Custo Brasil", com suas conseqüências práticas de flexibilização de todos os direitos e milhões de desempregados.

Disso vem o apoio e, mais ainda, a apresentação de propostas concretas como o contrato temporário e a demissão temporária, que nada mais são do que a retirada de direitos.
Para resumir, neste tipo de sindicalismo não há comunicação para disputa de hegemonia. Ou melhor, ela faz sim a disputa da hegemonia. Só que do lado contrário. É a disputa contra os interesses dos trabalhadores. Daí vem o jornalzinho do 1º de Maio de 98 e 99, com páginas inteiras recheadas de carros zero quilômetro, motos, liqüidificadores, batedeiras, geladeiras e outros eletrodomésticos para o grande sorteio do Dia do Trabalhador. Sindicato que vira bingo e tenta com isso fazer esquecer a luta da classe.

Os antecedentes da atual comunicação sindical da CUT

Como falamos de comunicação para a disputa de hegemonia, falaremos da comunicação dos sindicatos da CUT, Central que têm seus estatutos o objetivo de lutar pelo fim da exploração do homem pelo homem.

Os antecedentes do sindicalismo classista, no Brasil, devem ser procurados no sindicalismo anarquista do fim do século XIX e começo deste século.

Durante uns cinqüenta anos a principal influência entre os primeiros trabalhadores imigrantes no Brasil, era o anarquismo. Italianos, espanhóis e portugueses aqui chegavam aos milhões, vindos de terras onde o ideal anarquista predominava sobre a influência socialista. O sul da Europa, palco das pregações e ações do próprio Bakunin e seus seguidores, enviava suas idéias para as novas terras americanas.

O anarquismo sempre deu uma enorme importância e formação político-ideológica e a divulgação das suas idéias entre as massas. De 1875, quando começaram a aparecer as primeiras fabriquetas, até 1920, época de ouro do anarquismo no Brasil, foram publicados, no nosso país, 343 jornaizinhos diferentes. Seus nomes são bastantes reveladores. "O Operário" ( Recife, 1879), "O Socialista" (Salvador, 1890), "Primo Maggio" ( São Paulo, 1892), "A Luta" ( Porto Alegre, 1894), "A Greve" (Rio de Janeiro, 1903), "O Demolidor (Fortaleza, 1908), "O Proletário (Juiz de Fora, 1920).

O conteúdo destes jornais/jornaizinhos/boletins era duplo. Por um lado denunciava as injustiças concretas, apresentava as reivindicações imediatas de uma seção, ou de uma fábrica ou grupos de fábricas.

Mas além desses aspectos concretos, imediatos, há toda a visão anarquista que é comunicada nestes jornais. O jornal "A Voz do Trabalhador", porta voz da primeira Central sindical brasileira, desde 1908, quando começou a ser publicado quinzenalmente, trazia em suas páginas todos os temas centrais do anarquismo: visão anticapitalista, antimilitarista, anticlerical. A necessidade da luta direta sem intermediários, a necessidade da revolução social. Podemos dizer que todos os temas da luta socialista e anarquista eram tratados nesses jornais operários do começo do século.

A partir de 1922, com a fundação do Partido Comunista, o anarquismo perderá fôlego e com ele entrará em declínio aquele tipo de comunicação sindical.

O período de ascenso do Partido Comunista

Na década de 20, gradativamente os comunistas passam a ocupar espaço nos sindicatos. Seguindo o clima revolucionário da época, sob forte influência da vitoriosa Revolução Russa, o PC dará maior importância a imprensa partidária do que o propriamente sindical. A imprensa comunista passa a tratar os temas políticos que a época exigia. Ou seja era uma comunicação que apontava, o tempo todo, as condições presentes, mas se preocupava muito com a perspectiva futura: o socialismo.

Vem a época Vargas, o Estado Novo, a Segunda Guerra e o fim dela. A poucos dias antes da rendição nazista, em 18 de abril, Vargas decreta a anistia aos presos políticos e o PC passa a agir abertamente. Menos de um ano depois os comunistas já tinham oito jornais diários publicados no país. Óbvio, se eram jornais, seriam diários. Parece óbvio não é bem assim. É comum você perguntar se tal sindicato ou tal partido tem jornal, e receber resposta afirmativa. "Sim, temos jornal que sai todo mês". Para os comunistas, em 46, jornal era jornal. Para fazer disputa da hegemonia eles sabiam que um jornal diário era essencial. É por isso que, sem xerox, sem computador, e nem internet, eles teimavam em publicar seus oito diários. Diariamente.

No Rio de Janeiro, o jornal comunista "Tribuna Popular", tinha uma tiragem diária de 20 mil exemplares. Exatamente igual a do jornal "Correio da Manhã", da mesma cidade.
Até 64 os sindicatos, hegemonizados pelo PC, continuaram a dar maior importância a imprensa partidária do que à sindical.

Após o golpe de 64 a imprensa operária entrou em profundo recesso. A imprensa partidária foi toda silenciada na noite do golpe. A sindical se recolheu, silenciada pelos golpes das intervenções militares.

Quase todos os sindicatos, decapitados de suas lideranças, se limitavam a fazer seus jornaizinhos bem comportados. O peleguismo e o medo imperavam absolutos.
Quem desempenhou um papel de confronto com a ditadura e com as classes que ela representava foi a que ficou conhecida como "imprensa alternativa". Alternativa ao silêncio imposto pelos militares e ponto de referência para quem queria construir uma alternativa política, num espectro que ia da democracia ao socialismo.

Semanários como "O Pasquim", "Opinião", "Movimento", "Ex", "Coojornal", "Versus", "Em Tempo" e tantos outros passavam a ser o único alimento político permitido ou tolerado pelos militares.

Enquanto isso a imprensa de quase todos os sindicatos falava de bailes de debutantes, coroação de rainhas, pescarias, futebol e uma lei ou outra. Só alguns sindicatos, com direções combativas, de esquerda, teimavam em ter seus jornaizinhos com um conteúdo político contestatório. Mas esses sindicatos não passavam de algumas dezenas.

Trinta milhões de jornais/boletins

Hoje a imprensa sindical cresceu muito. Em 1994, nos meios da CUT, havia um número aproximado, mas aceito globalmente, que reflete esse crescimento numérico da comunicação dos sindicatos ligados a essa Central. Eram sete milhões de boletins/ou jornais por semana. Um total de trinta milhões por mês. Neste número estavam desde os cento e vinte mil jornais diários dos metalúrgicos de São Bernardo até os três ou quatro mil boletins/jornais publicados semanalmente em centenas de sindicatos. Não se incluíam nesta estatística, publicações quizenais, mensais ou vezenquandárias.

É um volume enorme, se considerarmos que nesta data a "Gazeta de Sergipe", maior jornal daquele Estado, tinha uma tiragem estimada em dois mil exemplares/dia.
Ou seja, os sindicatos da Central que quer fazer a disputa da hegemonia com a outra classe, tinham e têm um grande poder de fogo.

E essas armas clássicas, jornal e boletins, não são as únicas que o exército da CUT possue. Há uma enorme variedade de outros instrumentos que juntos, compõe uma mosaico completo. São cartilhas, livretos, folders, bonés, camisetas, faixas, bandeiras. A isso acrescentem-se centenas de carros de som, rádios comunitárias e horários comprados em rádios comerciais. Sem contar a língua de milhões de dirigentes sindicais, liberados a tempo integral, para difundir sua política.

Além disso inúmeros instrumentos que servem ativamente para comunicar uma política e que muitos sindicatos usam, conforme sua criatividade: de uma simples xerox de uma notícia de jornal a uma pequena peça de teatro na porta de uma fábrica ou de um banco.
Não entramos aqui na facilidade, muito pouco aproveitada, da comunicação imediata e riquíssima via internet, ou a ocupação de espaço na TV Comunitária.

Não dá, frente a esse quadro, para continuar com a atitude do derrotado, que acha que é inútil disputar, pois o outro lado é todo poderoso e nosso lado não tem nada. "Eles têm tudo e nós nada". Aí a disputa da hegemonia já se foi. Não há como fazê-la.

O primeiro passo para vencer qualquer disputa é acreditar que vai ser uma disputa. É possível ganhar. Depois disso é analisar atentamente as condições necessárias para vencer a batalha.

Comunicação para disputar a hegemonia

Antes de tudo é preciso uma constatação incômoda e provocante. Onde estão os jornais de esquerda do Brasil? Há, em geral, respostas patéticas. Cada militante de esquerda aponta a publicação de seu partido e mostra: "tá aqui"! Boa essa. Um jornal que sai cada semana ou quinze dias ou as vezes cada dois ou três meses... se deus quiser. E suas tiragens são irrisórias, frente a um país continental de 170 milhões de habitantes.

Jornal-jornal, aquele diário, cadê? A verdade é trágica: o jornal de toda a esquerda é nada menos que a "Folha de São Paulo". De Manaus a Porto Alegre, todos os militantes de esquerda, sindicalistas ou não, vão procurar se informar neste jornal neoliberal de São Paulo. É esta "Folha" que defende o projeto total de FHC, com suas reformas neoliberais, que vai servir como única informação diária para toda a esquerda.

Essa é uma tragédia. Desde 1980 houve todo um ascenso de lutas: greves, ocupações, disputas eleitorias locais, administrações de esquerda, quase chegamos lá, à Presidência. Nasceu a Central Única dos Trabalhadores, centenas de deputados, vários governadores e senadores. E jornal? Continua a "Folha de São Paulo": o jornal de fina flor do neoliberalismo globalizado.

Como fazer a disputa da hegemonia com os inimigos de classe? Sem jornal, sem rádio, sem televisão. Fica difícil.

Seria impossível, se não houvesse alguma alternativa. Nestas duas últimas décadas a imprensa sindical tem tido o desafio de cobrir as faltas da imprensa/comunicação político-partidária inexistente. É um desafio enorme, compreendido por uns e desconhecido por muitos sindicatos.

Há várias condições para que a imprensa sindical passe a responder ao desafio de fazer a disputa de hegemonia à qual nos referimos.

1. Antes de tudo é preciso que os responsáveis, nos vários sindicatos, tenham clareza desta disputa. Mesmo sem substituir o papel dos vários partidos de esquerda, cada sindicato pode apontar, em cada ação, cada jornal ou boletim uma perspectiva de confronto global de classe.

Para isto é preciso que a pauta dos boletins, jornais ou programas de rádio saia do umbigo. Ou melhor que saiba combinar os interesses imediatos dos trabalhadores com seus interesses históricos.

Combinar a negociação imposta pela empresa, sobre o horário, com a denúncia da flexibilização dos direitos. Ligar cada demissão com o combate a todo esse modelo econômico que gera milhões de desempregados. Denúncia desse modelo a ser derrubado nas ruas, nas praças, nas greves, e nas próximas eleições.
Ou seja, não se restringir a uma pauta corporativa, limitada. Para isso é só lembrar os estatutos de Central Única dos Trabalhadores que repetem duas vezes a necessidade da Central "lutar pelos interesses imediatos e históricos dos trabalhadores".

2. Em segundo lugar é necessário ter uma preocupação obsessiva com a linguagem. Em geral a linguagem usada em boletins/jornais sindicais é uma linguagem incompreensível para o público ao qual se destina.

Tanto quanto o juridiquês, economês, psicologuês, informatiquês, há outra praga típica do meio sindical. É o sindicalês, primo legítimo do esquerdês e do politiquês.

O sindicalês é uma síntese entre todas as linguagens específicas com as quais o sindicalista entre em contato. O sindicalista, por necessidade de ofício, se relaciona com advogados, economistas, e com uma variedade grande de intelectuais: do psicólogo ao sociólogo. Nada de errado nisso. Só que sua linguagem acaba incorporando centenas de palavras próprias de todos estes contatos. A essas influências acrescentem-se umas naturais do meio sindical: o politiquês, da vivência política e mais especificamente o esquerdês dos meios de esquerda que freqüenta.

O resultado é que a linguagem do dirigente sindical muda.

Não haveria nada demais, se a linguagem do público-alvo da sua comunicação também tivesse mudado. Mas isso não ocorre.

Com isso temos a maioria dos boletins/jornais sindicais que são escritos numa linguagem absolutamente estranha para seus leitores. O mesmo vale para o discurso, feito num programa de rádio, num palanque ou num carro de som.

E aí fica impossível fazer a disputa da hegemonia. Não porque não haja idéias claras. Não porque não haja vontade, mas simplesmente porque a linguagem usada para se comunicar é inteligível para quem a escuta ou lê.

3. A terceira condição para que a disputa de hegemonia, através de nossa comunicação seja eficaz é que esta seja atrativa, diríamos comunicativa.
Se um boletim/jornal ou programa de rádio for de péssima qualidade, este será rejeitado automaticamente.

Não importa o conteúdo e nem a linguagem. Se a cara de um boletim / jornal for feia este será jogado ao chão automaticamente.

Este é todo um item que mereceria um tratamento a parte. Impossível falar dele em poucas linhas. Só vamos dar uma olhada numa das tantas inovações às quais a burguesia recorreu.
Todos os jornais do país , de três anos pra cá seguiram as pegadas da "Folha de São Paulo" e se modernizaram. A introdução mais visível é a mudança da cor total em todas páginas. Mas esta é apenas uma das mudanças. Há toda uma série de transformações que precisam ser analisadas e introduzidas na imprensa sindical. Sem isso ficaremos a ver navios. Não há opção. É como dar para alguém uma televisão em branco e preto. Seria algo ridículo. Impensável, hoje. Ou a comunicação sindical muda sua cara ou será uma velha TV, em preto e branco, que a vovó tinha no seu quartinho.

A comunicação sindical é uma arma poderosa para a batalha da hegemonia. Mas para isso há várias condições:

1. Que queira se fazer essa batalha
2. Que a pauta de nossa comunicação seja ampla: do micro ao macro
3. Que se usem todos os mil instrumentos possíveis para fazer esta disputa.
4. Que a linguagem desta disputa seja compreensível para quem queremos atingir.
5. Que a cara da nossa comunicação seja atrativa, agradável.
6. Sobre tudo, após tudo isso, que se faça essa disputa. Todo dia, até a vitória! 

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vito Giannotti: “Quem quer que não haja criança pedindo esmola é de esquerda”


Para o escritor, nascido na Itália e que vive no Brasil desde os 21 anos, o país se divide entre casa grande e senzala.
Por Iamily Rodrigues para o jornal Matéria Prima, de Maringá, agosto de 2004.

Filho de italianos Vito Giannotti, 61, chegou a São Paulo em 1964, trabalhou como metalúrgico, mas como gostava muito de escrever, no tempo que tinha livre buscava exercitar o desejo. Fez um ano de sociologia, parou para fazer política e nunca mais voltou. É autor de mais de 20 livros. O escritor foi membro da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que ajudou a fundar em 1983.

Giannotti atuou intensamente no movimento sindical no início dos anos 1990. Juntamente com jornalistas e professores fundou o NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação), entidade que realiza cursos para dirigentes sindicais e jornalistas sobre comunicação sindical e popular.


Vito Giannotti nasceu na província de Lucca, Toscana, na Itália. É filho de Clementina e Salvador Giannotti e veio para o Brasil aos 21 anos. Morou 30 anos em São Paulo e há 11 anos mora no Rio de Janeiro. É casado com a jornalista Cláudia Santiago e é pai de Taiguara e André.


Vito Giannotti esteve recentemente em Maringá para uma palestra e recebeu o jornal Matéria Prima para uma entrevista. Leia a seguir os principais trechos.


Que tipo de trabalho o Núcleo Piratininga de Comunicação realiza?
O Núcleo Piratininga de Comunicação é um grupo de 12 pessoas, mais ou menos, de vários Estados do país. Uns são jornalistas, outros são professores universitários no campo da comunicação. Criamos esse grupo com o objetivo de melhorar a comunicação, especificamente dos trabalhadores, seja de sindicatos, de movimentos sociais, movimentos populares, movimentos de jovens, afinal, movimentos ligados à população que quer mudar esse país, quer um país diferente. Nesse sentido procuramos transmitir o que de melhor temos para que essas pessoas possam transmitir suas próprias idéias, seus programas, seus planos. Somos um setor de esquerda porque queremos que esse país seja mais justo. Quem quer que a mulher não leve um soco na cara, do marido, quem quer que não haja criança pedindo esmola, é de esquerda, mas é só nesse sentido que somos de esquerda.


Qual a diferença entre os jornais sindicais e os jornais “comuns”?
Há muita diferença. Os jornais que chamamos de comuns, os diários, como "O Diário do Norte do Paraná", ”Gazeta do Povo”, de Curitiba, “O Globo” [Rio de Janeiro], ou seja, qualquer jornal da chamada grande imprensa, são destinados a quem quer comprar ou assinar aquele jornal, a quem quer ler. Os jornais sindicais, comunitários, populares (população que não está acostumada a ler) se destinam a uma população que não tem grande paixão por leitura, não gosta de ler. Há um monte de exigências específicas no jornal sindical que um jornal comum não tem.


Por exemplo, a maneira de dar a notícia. No Brasil um pequeno número de pessoas, no total 4,5%, lêem jornal. Isso é estatística. Estamos entre os países do mundo que menos lê jornal. Então, quem lê acaba sendo uma pessoa de elite, porque tem o dinheiro pra comprar o jornal. Três quartos da população brasileira ou compram jornal ou comem. Quem compra jornal tem de ter dinheiro pra isso, tem de ter tido estudo que o faça entender a linguagem, a mensagem, de conseguir interpretá-la, entender. Aí a imensa maioria da população faz uma escola péssima, indecente, por isso queremos mudar, por isso somos de esquerda, queremos mudar essa educação.


Essa educação pública dada do primário ao ensino médio é uma escola que não ensina ler jornal, por isso é que buscamos melhorar a comunicação sindical, popular, comunitária, para atingir as pessoas que não costumam ler jornal, mas que queremos que leiam, porque lendo-o você se informa, conhece dados, números, conhece fatos, e, com isso, você pode depois dialogar, propor o que nós achamos que é o outro Brasil.


O que o senhor acha da legislação do jornalismo?
Sobre o diploma acho óbvio que as faculdades de jornalismo têm de fazer com que as pessoas estudem, se preparem, sem a ilusão de que a pessoa vai sair da faculdade jornalista feito. Vai sair com os rudimentos, com as bases da profissão. Agora tem um impasse sobre a história do estágio, a legislação. Muitos são contra o estágio, com toda razão, porque ele é usado por muitas empresas como um disfarce para pagar menos, para ter uma mão-de-obra barata. Uma empresa jornalística grande contrata um estagiário, paga uma mixaria e o manda trabalhar que nem um escravo. Nesse sentido muitos sindicatos de jornalistas são contra esse estágio, porque é uma forma de super exploração do jovem que se formou em jornalismo, que antes de começar a trabalhar faz um estágio de escravidão pura, trabalha muito, não ganha quase nada, não tem direito nenhum.


Ao mesmo tempo tem uma contradição. Quem é que contrata um jovem que acabou de sair da faculdade pra trabalhar? É difícil, porque eles não estão preparados. Para ser um bom jornalista é preciso de três a quatro anos, no mínimo, para ter um manuseio do que foi estudado, aprendido. Então, o estágio é necessário, só que hoje em dia é sub-remunerado, usado como forma de exploração. Para mim, é preciso uma nova legislação que permita o estágio sim, porque o estudante precisa para completar a sua formação. Só que tem de haver uma garantia de que o estágio não será para fins de escravidão, que tenha um tempo de trabalho, que tenha condições de passar por várias situações, que ele [estudante] aprenda, que complete sua formação, que seja um estágio de complementação curricular e não uma forma de dar mão-de-obra barata para as empresas. Os sindicatos não gostam do estágio com toda a razão, e os estudantes precisam dele, porque ninguém contrata o estudante cru. Acho que deve ter uma legislação intermediária que permita o estágio, mas que exija condições de que o jovem formado possa se aperfeiçoar, conhecer o ambiente de trabalho e não ser um escravo.


E sobre qualidade do ensino oferecido pelas faculdades de jornalismo no Brasil?
Muitas faculdades de jornalismo do Brasil se auto-definem as melhores faculdades de jornalismo e são boas. Outras são péssimas, pura enganação. Agora, no geral, o problema das faculdades não está só no jornalismo, mas em todo o nosso ensino, que é extremamente ruim. Foi feita uma pesquisa pela ONU (Organização das Nações Unidas), com mais de 230 mil jovens, em 42 países, e foi pedido para eles lerem um texto, cada um na sua própria língua, e os mandaram interpretar. O Brasil ficou em 42º lugar, por quê? Nossas faculdades tão cada vez piores, devido a todo o empenho da ditadura militar, de imbecilizar o povo, quanto mais o povo é imbecil, mais facilmente é controlável. Toda a destruição do ensino, nascida a partir de 1964, da ditadura militar, e depois continuada pelos governos até hoje, realmente tornou o nosso ensino muito difícil. Há uma estatística sobre resolução de problemas de matemática em 18 países pesquisados pela ONU. O Brasil ficou atrás de Moçambique, um país miserável, paupérrimo. Isso acontece com escolas públicas e particulares. Quer dizer, é esse o nosso ensino e as faculdades de comunicação se inserem nisso.


O problema é que somos um país que, por tradição, não lê diariamente, e quem lê não chega a 10%. O Brasil está em 102º lugar em leituras de jornais e publica, somando todos os jornais diários, 6,8 milhões [de exemplares]. Isso é ridículo. O maior jornal do Japão publica, por dia, 14,570 milhões, com cinco edições por dia. No Brasil esses 6,8 milhões é a soma de todos os jornais diários, esse número dividido pela população brasileira dá 4,5%. Nós lemos menos que a Argentina, Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Cuba, menos que todos na América Latina. Isso dá a idéia da qualidade do nosso ensino.


Os seus livros são para quem quer entender melhor a área de jornalismo sindical, o sindicalismo?
Os livros mais ligados à história do sindicalismo, dos trabalhadores, são úteis para qualquer jornalista, porque os jornalistas precisam conhecer a história do nosso país. Sobre sindicalismo tem muitos livros, agora esses livros se inserem naquela série de livros sobre sindicalismo que se preocupou em dar noções básicas da história dos trabalhadores em nosso país, que não é contada normalmente nos livros de história geral estudados no ensino médio. Meus livros são a complementação útil para qualquer jornalista, para entender a história dos trabalhadores, da existência, do nascimento da indústria, as conquistas, as lutas que tiveram, para completar a outra história que não é contada nos livros.


A outra série de livros que lanço são específicos de comunicação, não só sobre linguagem sindical, falam muito sobre linguagem intelectual, falam sobre advogados, economistas, especificamente da casa grande e da senzala. A linguagem da casa grande — tanto faz ser advogado, economista, psicólogo, jornalista — ou seja, de quem tem acesso à livraria, a livros, que fez uma faculdade. Já a outra linguagem é dos que vivem em municípios que não têm acesso a livrarias. Essas são as séries de linguagem. Fala-se da necessidade de quem está tendo uma formação da casa grande, o que não é nenhum crime. Eu quero uma formação da casa grande para todos os brasileiros, todo mundo tem de ter uma formação boa, mas quem teve sorte de ter essa formação que se preocupe com a senzala quando se comunicar, porque se não ela não entende — teve um péssimo estudo, não teve estímulo para ler no ambiente familiar, não tem condições de comprar um jornal.


Qual o público alvo do trabalho realizado pelo NPC?
São jornalistas que trabalham com movimentos sociais, no sentido mais amplo. Desde movimentos de favelas, movimentos sindicais, populares, MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], ONGs [Organizações Não-Governamentais], que atuam junto com esses jornalistas, e também trabalhadores que não sendo jornalistas se preocupam e querem trabalhar junto com os jornalistas.


Qual o objetivo de ministrar palestras a alunos de comunicação?
Acabar com a casa grande e senzala, ministrando palestras que mostram a importância de conhecer a realidade, a história do nosso país, sobre os meios de comunicação em poder de quem eles estão e qual o papel deles na sociedade.


O que é preciso mudar na área da comunicação?
Na área da comunicação é preciso mudar o sistema que concentra os meios de comunicação nas mãos de grandes empresas que têm interesses econômicos, comuns, sejam a GloboFolha de S. Paulo...


O que seria necessário para que o país não estivesse dividido em classes sociais e estar, ainda hoje, dividido entre a casa grande e a senzala, como o senhor diz em seu mais novo livro “Muralhas da Linguagem”?
Veja, não estou nem falando de não haver a divisão de classes sociais. Isso seria um mundo de sonho. Hoje pode até existir uma divisão, mas não a divisão dessa tremenda injustiça. O Brasil, dos 194 países da ONU, é o quarto do mundo em injustiça social, ou seja, é um dos países que têm a pior distribuição de renda do mundo. Eu não estou exigindo muito nessa primeira fase, mas no mínimo vamos acabar com a escravidão no Brasil, porque ela não acabou. Vamos acabar com ela. Não estou falando de igualdade, não é acabar com as classes sociais. O que deve ser feito hoje é tornar menos injusto esse país. 


Por que o senhor busca convencer jornalistas, sindicalistas, pessoas que se relacionam com o povo, que a mesma divisão econômica se repete na linguagem?
Porque se comete isso, se as pessoas entendem melhor o porquê dessa dificuldade da linguagem, elas se dispõem mais a mudar a sua linguagem e, ao mesmo tempo, pegam o gostinho de querer mudar a raiz de todos os males, a mãe de todos os males, que é a casa grande e a senzala.


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