quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vito Giannotti: “Quem quer que não haja criança pedindo esmola é de esquerda”


Para o escritor, nascido na Itália e que vive no Brasil desde os 21 anos, o país se divide entre casa grande e senzala.
Por Iamily Rodrigues para o jornal Matéria Prima, de Maringá, agosto de 2004.

Filho de italianos Vito Giannotti, 61, chegou a São Paulo em 1964, trabalhou como metalúrgico, mas como gostava muito de escrever, no tempo que tinha livre buscava exercitar o desejo. Fez um ano de sociologia, parou para fazer política e nunca mais voltou. É autor de mais de 20 livros. O escritor foi membro da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que ajudou a fundar em 1983.

Giannotti atuou intensamente no movimento sindical no início dos anos 1990. Juntamente com jornalistas e professores fundou o NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação), entidade que realiza cursos para dirigentes sindicais e jornalistas sobre comunicação sindical e popular.


Vito Giannotti nasceu na província de Lucca, Toscana, na Itália. É filho de Clementina e Salvador Giannotti e veio para o Brasil aos 21 anos. Morou 30 anos em São Paulo e há 11 anos mora no Rio de Janeiro. É casado com a jornalista Cláudia Santiago e é pai de Taiguara e André.


Vito Giannotti esteve recentemente em Maringá para uma palestra e recebeu o jornal Matéria Prima para uma entrevista. Leia a seguir os principais trechos.


Que tipo de trabalho o Núcleo Piratininga de Comunicação realiza?
O Núcleo Piratininga de Comunicação é um grupo de 12 pessoas, mais ou menos, de vários Estados do país. Uns são jornalistas, outros são professores universitários no campo da comunicação. Criamos esse grupo com o objetivo de melhorar a comunicação, especificamente dos trabalhadores, seja de sindicatos, de movimentos sociais, movimentos populares, movimentos de jovens, afinal, movimentos ligados à população que quer mudar esse país, quer um país diferente. Nesse sentido procuramos transmitir o que de melhor temos para que essas pessoas possam transmitir suas próprias idéias, seus programas, seus planos. Somos um setor de esquerda porque queremos que esse país seja mais justo. Quem quer que a mulher não leve um soco na cara, do marido, quem quer que não haja criança pedindo esmola, é de esquerda, mas é só nesse sentido que somos de esquerda.


Qual a diferença entre os jornais sindicais e os jornais “comuns”?
Há muita diferença. Os jornais que chamamos de comuns, os diários, como "O Diário do Norte do Paraná", ”Gazeta do Povo”, de Curitiba, “O Globo” [Rio de Janeiro], ou seja, qualquer jornal da chamada grande imprensa, são destinados a quem quer comprar ou assinar aquele jornal, a quem quer ler. Os jornais sindicais, comunitários, populares (população que não está acostumada a ler) se destinam a uma população que não tem grande paixão por leitura, não gosta de ler. Há um monte de exigências específicas no jornal sindical que um jornal comum não tem.


Por exemplo, a maneira de dar a notícia. No Brasil um pequeno número de pessoas, no total 4,5%, lêem jornal. Isso é estatística. Estamos entre os países do mundo que menos lê jornal. Então, quem lê acaba sendo uma pessoa de elite, porque tem o dinheiro pra comprar o jornal. Três quartos da população brasileira ou compram jornal ou comem. Quem compra jornal tem de ter dinheiro pra isso, tem de ter tido estudo que o faça entender a linguagem, a mensagem, de conseguir interpretá-la, entender. Aí a imensa maioria da população faz uma escola péssima, indecente, por isso queremos mudar, por isso somos de esquerda, queremos mudar essa educação.


Essa educação pública dada do primário ao ensino médio é uma escola que não ensina ler jornal, por isso é que buscamos melhorar a comunicação sindical, popular, comunitária, para atingir as pessoas que não costumam ler jornal, mas que queremos que leiam, porque lendo-o você se informa, conhece dados, números, conhece fatos, e, com isso, você pode depois dialogar, propor o que nós achamos que é o outro Brasil.


O que o senhor acha da legislação do jornalismo?
Sobre o diploma acho óbvio que as faculdades de jornalismo têm de fazer com que as pessoas estudem, se preparem, sem a ilusão de que a pessoa vai sair da faculdade jornalista feito. Vai sair com os rudimentos, com as bases da profissão. Agora tem um impasse sobre a história do estágio, a legislação. Muitos são contra o estágio, com toda razão, porque ele é usado por muitas empresas como um disfarce para pagar menos, para ter uma mão-de-obra barata. Uma empresa jornalística grande contrata um estagiário, paga uma mixaria e o manda trabalhar que nem um escravo. Nesse sentido muitos sindicatos de jornalistas são contra esse estágio, porque é uma forma de super exploração do jovem que se formou em jornalismo, que antes de começar a trabalhar faz um estágio de escravidão pura, trabalha muito, não ganha quase nada, não tem direito nenhum.


Ao mesmo tempo tem uma contradição. Quem é que contrata um jovem que acabou de sair da faculdade pra trabalhar? É difícil, porque eles não estão preparados. Para ser um bom jornalista é preciso de três a quatro anos, no mínimo, para ter um manuseio do que foi estudado, aprendido. Então, o estágio é necessário, só que hoje em dia é sub-remunerado, usado como forma de exploração. Para mim, é preciso uma nova legislação que permita o estágio sim, porque o estudante precisa para completar a sua formação. Só que tem de haver uma garantia de que o estágio não será para fins de escravidão, que tenha um tempo de trabalho, que tenha condições de passar por várias situações, que ele [estudante] aprenda, que complete sua formação, que seja um estágio de complementação curricular e não uma forma de dar mão-de-obra barata para as empresas. Os sindicatos não gostam do estágio com toda a razão, e os estudantes precisam dele, porque ninguém contrata o estudante cru. Acho que deve ter uma legislação intermediária que permita o estágio, mas que exija condições de que o jovem formado possa se aperfeiçoar, conhecer o ambiente de trabalho e não ser um escravo.


E sobre qualidade do ensino oferecido pelas faculdades de jornalismo no Brasil?
Muitas faculdades de jornalismo do Brasil se auto-definem as melhores faculdades de jornalismo e são boas. Outras são péssimas, pura enganação. Agora, no geral, o problema das faculdades não está só no jornalismo, mas em todo o nosso ensino, que é extremamente ruim. Foi feita uma pesquisa pela ONU (Organização das Nações Unidas), com mais de 230 mil jovens, em 42 países, e foi pedido para eles lerem um texto, cada um na sua própria língua, e os mandaram interpretar. O Brasil ficou em 42º lugar, por quê? Nossas faculdades tão cada vez piores, devido a todo o empenho da ditadura militar, de imbecilizar o povo, quanto mais o povo é imbecil, mais facilmente é controlável. Toda a destruição do ensino, nascida a partir de 1964, da ditadura militar, e depois continuada pelos governos até hoje, realmente tornou o nosso ensino muito difícil. Há uma estatística sobre resolução de problemas de matemática em 18 países pesquisados pela ONU. O Brasil ficou atrás de Moçambique, um país miserável, paupérrimo. Isso acontece com escolas públicas e particulares. Quer dizer, é esse o nosso ensino e as faculdades de comunicação se inserem nisso.


O problema é que somos um país que, por tradição, não lê diariamente, e quem lê não chega a 10%. O Brasil está em 102º lugar em leituras de jornais e publica, somando todos os jornais diários, 6,8 milhões [de exemplares]. Isso é ridículo. O maior jornal do Japão publica, por dia, 14,570 milhões, com cinco edições por dia. No Brasil esses 6,8 milhões é a soma de todos os jornais diários, esse número dividido pela população brasileira dá 4,5%. Nós lemos menos que a Argentina, Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Cuba, menos que todos na América Latina. Isso dá a idéia da qualidade do nosso ensino.


Os seus livros são para quem quer entender melhor a área de jornalismo sindical, o sindicalismo?
Os livros mais ligados à história do sindicalismo, dos trabalhadores, são úteis para qualquer jornalista, porque os jornalistas precisam conhecer a história do nosso país. Sobre sindicalismo tem muitos livros, agora esses livros se inserem naquela série de livros sobre sindicalismo que se preocupou em dar noções básicas da história dos trabalhadores em nosso país, que não é contada normalmente nos livros de história geral estudados no ensino médio. Meus livros são a complementação útil para qualquer jornalista, para entender a história dos trabalhadores, da existência, do nascimento da indústria, as conquistas, as lutas que tiveram, para completar a outra história que não é contada nos livros.


A outra série de livros que lanço são específicos de comunicação, não só sobre linguagem sindical, falam muito sobre linguagem intelectual, falam sobre advogados, economistas, especificamente da casa grande e da senzala. A linguagem da casa grande — tanto faz ser advogado, economista, psicólogo, jornalista — ou seja, de quem tem acesso à livraria, a livros, que fez uma faculdade. Já a outra linguagem é dos que vivem em municípios que não têm acesso a livrarias. Essas são as séries de linguagem. Fala-se da necessidade de quem está tendo uma formação da casa grande, o que não é nenhum crime. Eu quero uma formação da casa grande para todos os brasileiros, todo mundo tem de ter uma formação boa, mas quem teve sorte de ter essa formação que se preocupe com a senzala quando se comunicar, porque se não ela não entende — teve um péssimo estudo, não teve estímulo para ler no ambiente familiar, não tem condições de comprar um jornal.


Qual o público alvo do trabalho realizado pelo NPC?
São jornalistas que trabalham com movimentos sociais, no sentido mais amplo. Desde movimentos de favelas, movimentos sindicais, populares, MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], ONGs [Organizações Não-Governamentais], que atuam junto com esses jornalistas, e também trabalhadores que não sendo jornalistas se preocupam e querem trabalhar junto com os jornalistas.


Qual o objetivo de ministrar palestras a alunos de comunicação?
Acabar com a casa grande e senzala, ministrando palestras que mostram a importância de conhecer a realidade, a história do nosso país, sobre os meios de comunicação em poder de quem eles estão e qual o papel deles na sociedade.


O que é preciso mudar na área da comunicação?
Na área da comunicação é preciso mudar o sistema que concentra os meios de comunicação nas mãos de grandes empresas que têm interesses econômicos, comuns, sejam a GloboFolha de S. Paulo...


O que seria necessário para que o país não estivesse dividido em classes sociais e estar, ainda hoje, dividido entre a casa grande e a senzala, como o senhor diz em seu mais novo livro “Muralhas da Linguagem”?
Veja, não estou nem falando de não haver a divisão de classes sociais. Isso seria um mundo de sonho. Hoje pode até existir uma divisão, mas não a divisão dessa tremenda injustiça. O Brasil, dos 194 países da ONU, é o quarto do mundo em injustiça social, ou seja, é um dos países que têm a pior distribuição de renda do mundo. Eu não estou exigindo muito nessa primeira fase, mas no mínimo vamos acabar com a escravidão no Brasil, porque ela não acabou. Vamos acabar com ela. Não estou falando de igualdade, não é acabar com as classes sociais. O que deve ser feito hoje é tornar menos injusto esse país. 


Por que o senhor busca convencer jornalistas, sindicalistas, pessoas que se relacionam com o povo, que a mesma divisão econômica se repete na linguagem?
Porque se comete isso, se as pessoas entendem melhor o porquê dessa dificuldade da linguagem, elas se dispõem mais a mudar a sua linguagem e, ao mesmo tempo, pegam o gostinho de querer mudar a raiz de todos os males, a mãe de todos os males, que é a casa grande e a senzala.


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